sábado, 18 de outubro de 2008

CHOMSKY, ZIRALDO E A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

Chomsky, Ziraldo e a aquisição da linguagem por Emanuel Souza de Quadros
Fiquei surpreso em ver Chomsky sendo mencionado no Segundo Caderno da Zero Hora desse sábado; sobretudo por não ser nada sobre a escalada militar norte-americana na Colômbia, terrorismo de estado, estratégias imperialistas de controle global ou afins.
O bom velhinho surgiu na coluna do poeta Ricardo Silvestrin, que faz uma aproximação do que pensa Ziraldo sobre a educação com o que defende Chomsky em relação à linguagem humana. A idéia de Ziraldo, expressa em sua frase: "é mais importante ler do que estudar", é de que o ensino de língua portuguesa deveria centrar-se na leitura, ao invés de se preocupar com o ensino explícito de gramática. A leitura de bons textos traria consigo "o domínio de linguagem, de padrão de escrita".
O contato com a lingüística gerativa estaria na observação de que as crianças já entram na escola conhecendo sua língua materna, com total competência sobre as regras gramaticais subjacentes a seu funcionamento. Essa noção é básica para a teoria chomskiana e leva o colunista a concluir que "desse modo, a escola não precisa ficar nos ensinando o que já sabemos [- regras gramaticais]. E o pior: de um jeito que parece que não sabemos. O que precisa é nos ensinar a passar do falado para o escrito. E para isso, precisa nos fazer ler e escrever".
A boa lição que se deve tirar da coluna para o ensino de português é o respeito ao conhecimento que os alunos já trazem sobre a língua materna. A que não me parece ser muito boa é a idéia de que o ensino gramatical explícito é desnecessário. Ao menos porque, ao contrário do que o colunista parece sugerir, a língua a ser aprendida na escola não é exatamente a mesma que os alunos trazem de casa. Um dos objetivos do ensino de língua portuguesa é possibilitar aos estudantes o domínio da variedade padrão do idioma, de um padrão formal escrito, que não é o utilizado pelos alunos em sua comunicação diária. Se essa norma é mesmo importante para a sociedade é uma outra discussão.
O destaque do texto é o parágrafo, transcrito abaixo, em que o colunista passa a falar sobre o desenvolvimento de nossa competência sobre a língua materna.
É o seguinte: segundo o lingüísta [sic], a gente nasce com as condições para aprender línguas. É a nossa competência que vai se desenvolvendo com o nosso desempenho. Assim, nascemos num ambiente que fala uma língua, que para nós é "estrangeira", e vamos interagindo com ela. O processo que se dá na nossa cabeça nesse aprendizado não é meramente de ouvir e repetir. O que acontece é que vamos entendendo a estrutura da língua. É um aprendizado inteligente. Por exemplo, quando uma criança fala "fazi", ninguém disse isso. Mas por que ela falou? Porque entendeu que a estrutura de construção do pretérito perfeito do indicativo dos verbos de segunda conjugação se faz com raiz + i. Vender - vendi, comer - comi, perder - perdi, fazer - fazi. Mas alguém dirá à criança "não é fazi; é fiz!" [grifo meu]. Ela então incorporará uma nova informação ao que havia concluído: "Existem uns verbos meio malucos que são diferentes". São os verbos irregulares.
É bom porque apresenta de maneira simples e compreensível alguns insights importantes dos estudos sobre aquisição da linguagem que se deram na segunda metade do século XX: as observações de que nascemos com as condições necessárias para adquirir uma língua e de que a aquisição de uma língua não é uma questão de mera repetição do que se ouve no ambiente - a criatividade é inerente ao processo, como mostram formas como "fazi", presentes na fala infantil. A parte sublinhada no parágrafo acima é o ponto em que o colunista chega ao equívoco bastante comum de imaginar que há um papel fundamental para algum tipo de instrução explícita na aquisição da primeira língua pela criança.

Um comentário:

Dioney disse...

A leitura que Ziraldo faz da tese inatista de Chomsky com relação à linguagem é extremamente simplista. A competência lingüística a que se refere o autor norte-americano gira em torno de uma gramática universal, que comportaria a estrutura profunda das línguas diversas. Ou seja, para Chomsky todas as línguas são, tecnicamente, iguais, pois todas derivam de uma mesma língua herdada geneticamente e inscrita em um órgão da linguagem, para o autor, presente no cérebro. Chomsky enaltece aí o caráter racionalista da linguagem, diminuindo sobremaneira o caráter interacionista no processo de aquisição de uma língua, tese, por sua vez, defendida por autores funcionalistas, que levam em conta os usos lingüísticos, as competências comunicativas, essenciais no desenvolvimento humano.
Infelizmente, Ziraldo simplifica o que já é em si uma simplificação da real dimensão da linguagem humana e sua realização diversificada em cada situação cultural e socialmente motivada.
Outro aspecto que gostaria de destacar é a importância de ver o professor como um mediador do conhecimento e não como um mero espectador. Leitura e escrita não ocorrem por mera osmose ou geração espontânea.
Abraços.
Prof. Dioney